Artista autodidata, Mateus Dutra, mineiro de Lavras, radicado em Goiânia há 40 anos, tem parte de suas raízes familiares na Cidade de Goiás. Seu trabalho emerge, portanto, de um cerrado íntimo, que se estende entre esses dois estados, na vastidão que compreende esses territórios. O cerrado, neste contexto, é tanto paisagem quanto conceito: particular e intrínseco. Sua trajetória de trabalho começa, publicamente, nos bastidores da cena cultural e com mais de dez anos de experiência como cenotécnico da companhia Quasar e como diretor de palco, Mateus desenvolveu uma percepção aguçada sobre a mise en scène, refletindo sobre o espaço e suas camadas possíveis. Essa vivência como produtor cultural e criador de cenários pode ser concebida como uma chave investigativa para os resquícios desta prática na sua abordagem artística, marcada por colisões de planos interpretativos e procedimentos que valorizam o erro, o desvio, a transição entre suportes e escalas. Da Namíbia à São Paulo, entre exposições individuais e coletivas, Mateus já celebra mais de vinte anos no campo artístico contemporâneo.
O gesto criativo deste artista é acompanhado por um pensamento intrínseco de montagem — de compor, desmontar e recompor camadas. Sendo assim, Mateus investiga uma prática em constante movimento, onde a brutalidade da mudança de escala e suporte não é anunciada, de antemão, mas produzida ao lançar-se ao acaso da gestualidade que acompanha o seu risco. Nesse sentido, o cotovelo, alegoria escolhida por Hugo de Carvalho Ramos para se referir aos espaços do Cerrado que dobram os grandes chapadões e dão permanência ao desaparecimento das coisas, seja o dêitico que explica, atualmente, a trajetória de Mateus Dutra. Isso porque, a densidade e a miudeza dos seus traços, misturados aos vãos que entremeiam majoritariamente o seu trabalho pictórico mais recente, denotam o desaparecimento, no nosso imaginário, das grandes dimensões e figuras ilustrativas de outrora, fazendo emergir um retorno ao risco inicial, aquele experimentado desde a sua infância, enraizado na experiência anterior deste artista com o sertão profundo, daquele das trovas de Elomar, por exemplo – as quais o artista compara a uma espécie de oração – da sua mais tenra vivência com este bioma. O Cerrado se coloca, a partir daí, como o ponto vacilante de inflexão nas linhas recentes de Dutra, desse modo, quanto mais distância ele toma do que era óbvio no seu trabalho, mais perto ele chega do começo de tudo, é uma miração compositiva da organicidade das imagens que surgem a partir disso.
O retorno parece ser, deste modo, a chave do entendimento da linguagem atual de Mateus, dado por essa dobra, onde o artista passa a elaborar e rever nas histórias que já viveu, a possibilidade do porvir da sua linguagem artística, é uma sorte de movimento de reconhecimento da própria história, de guia e conhecedor das pinturas rupestres de Serranópolis à experiência com a Espiritualidade, são variadas as formas de alumiação deste artista. Neste caso, o pigmento – o carvão, majoritariamente, e as cores terrosas – procura seu lugar de origem, produzindo um movimento em direção à raiz, ao chão, portanto a insistência das raízes como imagens são preponderantes no trabalho de Mateus.
As marcas mais proeminentes do trabalho desse artista, hoje, percorrem ainda a linha do esboço, do rabisco, de certo e propositado inacabamento, no entanto, se transformam imediatamente em aterramento, uma analogia à andança do próprio artista pelos veios desta terra sertaneja, incorporados pelo que pode ser, por exemplo, a imagem de folhas e raízes, espadas de São Jorge ou cipós suspensos de gameleiras. A incessante transição entre o uso de muitas concomitâncias, do uso do lápis ao uso da tinta industrial, os efeitos dessas investigações criam uma sobreposição de imagens, que atualmente existem sob o corpo de determinada abstração, mas que se assemelham, e muito, à atrofia das plantas do cerrado incorporadas por tantas linhas redundantes.
Portanto, a devoração que o horizonte monumental do Cerrado produz para o trabalho de Mateus apequena as imagens criadas imprevistamente pelo horizonte do seu desenho, de tal maneira que a distância acaba fazendo miniatura das coisas, em pequenos e outros formatos. A empreitada de Mateus visita o cerrado dos arredores, onde, ainda segundo Hugo de Carvalho Ramos, de um lado estão, os vegetais de que se pode aproveitar o caboclo, em assunto de folhas, madeira e casca; do outro, a grei inumerável dos “pau-à-toa”, cuja utilidade até agora não se deu a conhecer. O sertão de Mateus começa a existir, na sacralidade do seu gesto, no mistério de seus afetos, nos rincões da própria memória, em que o vínculo é, e sempre foi, a ancestralidade, essa do sujeito com o seu lugar, com a sua gente, com a sua história. Mateus se tornou uma espécie de raizeiro de “pau-à-toa”, mas não se sabe, ou se sabe muito, o ímpeto que deseja curar ao desenhar essas raízes, de maneira tão repetida, o mesmo que produzirá ininterrupto movimento.
Exposição Metáfora
Galeria Marcos Caiado – Goiânia, GO (2009) – Individual
Mateus Dutra / Studio SeventySeven
Windhoek, Namíbia (2010) – Individual
Tinta Pele Preta
Objeto Encontrado – Brasília, DF (2012) – Individual
Blackbook
Galeria Potrich – Goiânia, GO (2012) – Coletiva
Confluir
Verve Galeria – São Paulo, SP (2014) – Coletiva
Blackbook – Diretor Artístico
Série de exposições realizadas durante o Festival Bananada – Goiânia, GO (2014, 2015, 2016, 2017, 2018)
Sexpo – Diretor Artístico
Galeria Blackbook – Goiânia, GO (2017) – Coletiva
Renka
Galeria Crua – São Paulo, SP (2018) – Individual
Suíte para Seis Instrumentos Visuais
Cerrado Galeria – Goiânia, GO (agosto de 2023) – Individual
Renka: Individualidades Simultâneas
Grande Sala Vila Cultural Cora Coralina – Goiânia, GO (outubro de 2023) – Individual
Natureza Urbana
CCBB – Brasília, DF (agosto de 2024) – Coletiva